"Hoje é terça-feira de Carnaval, mas, também é dia 8 de março, ou seja, é o Dia Internacional da Mulher. Puxando pela minha memória, que – modéstia à parte – não costuma me desapontar, não consigo me lembrar de outra coincidência assim. Pelo menos não depois que deixei de receber brinquedos no Dia das Crianças e passei a admitir as flores do 8 de março.
Pois bem. Devo confessar que, à semelhança de outras mulheres, nunca achei positiva a ideia de ter um dia do ano dedicado às mulheres, como se nós precisássemos (re)afirmar a nossa condição de igualdade. Ora! Isso de dizer que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações já é conversa antiga, muito embora saibamos que não é praticada. Mas, honestamente, não creio que a “dedicação” de um dia às mulheres resolva o problema. E não resolve porque, muitas vezes, o “problema” não quer ser solucionado. Vou tentar me fazer entender.
Como de regra, assim que acordo, faço um tour pelo meu e-mail, pelo Twitter e pelos principais sites de notícias do país. E num desses twitts, um site regional de notícias trouxe a seguinte “informação”: “Valeska desfila nua e vira banana para King Kong”. Confesso: a bisbilhotice foi maior que a repugnância e eu acessei o link para a “reportagem” e verifiquei que era a reprodução de outro registro realizado por um site nacional de peso. Mas esses não são os dados mais relevantes.
Importante mesmo é a infeliz coincidência: na madrugada deste 8 de março, uma jovem que adotou o nome artístico de “Valeska Popozuda” desfilou numa escola de samba do grupo especial do Rio de Janeiro – é dizer: foi vista por uma infinidade de pessoas em torno de todo o mundo – sobre um carro alegórico na forma de um enorme gorila, usando apenas um tapa-sexo e uma pintura corporal de banana, ou seja, estava nua, fantasiada de alimento de primata.
Num acesso de curiosidade mórbida, fiz uma pesquisa no Google, e descobri que o “popozuda” refere-se aos glúteos avantajados à custa de muita malhação e silicone, os quais têm, obviamente, as metas de serem exibidos à exaustão, de justificar a alcunha e os espetáculos promovidos pela pessoa à frente (atrás?) do bumbum.
É isso: essa Valeska – como tantas outras famosas ou anônimas – esforça-se física e financeiramente para alimentar, com músculos ou silicone, a única parte de seu corpo pela qual espera reconhecimento, e não se envergonha de exibi-la ostensivamente e de ser transformada em comida para qualquer símio que apareça. Ela – e todas as que assim agem – desdenha de seu próprio corpo e, sobretudo, de seus pensamentos e sentimentos, para colocar-se a serviço das fantasias mais primitivas (com perdão do trocadilho) de homens e de mulheres como ela.
Por causa de comportamentos assim cresce, no Brasil, a exploração/escravidão sexual de mulheres e meninas, as publicações masculinas com jovens nuas ou seminuas, os programas bbbestializantes, as propagandas de cerveja com mulheres de biquíni ou (que moderno!) gastando com o cartão de crédito do marido(ão)...
Enquanto as valeskas popozudas continuarem a ser ração do machismo, precisaremos comemorar o Dia Internacional a Mulher e lembrar, diária e insistentemente, a nossa condição de igualdade, exigirmos nos livrar da escravidão, da burca, da pena de lapidação, da clitoridectomia, dos baixos salários, do analfabetismo...
Parabéns, portanto, às mulheres que enfrentam suas ameaças com dignidade e que se esforçam para nutrir a sua família e o cérebro próprio e alheio. Oxalá chegará o dia de não precisarmos mais de um dia “só nosso”."
Marina Gadelha.
P.s.: Matéria retirada do portal CelinoNeto.